Vivências Relacionais Significativas Associadas Ao Cuidar Dos Adolescentes Com Doença Oncológica No Pós-Diagnóstico
Palavras-chave:
Enfermagem Pediátrica, Enfermagem Oncológica, Adolescente, Diagnóstico, Acontecimentos que Mudam a Vida, Experiência VividaResumo
As vivências relacionais cuidativas significativas surgem na interação dos adolescentes com as diversas pessoas com quem contracenam, acabando por mediar a sua própria vivência da doença oncológica. Assim, este estudo visou: Compreender as vivências relacionais significativas dos adolescentes com doença hemato-oncológica associadas ao cuidar, na fase diagnóstica. Uma investigação empírica de tipo qualitativo, de cariz fenomenológico interpretativo (método processual de Giorgi). Foram entrevistados 9 adolescentes portugueses, em tratamento oncológico.
Da estrutura essencial das vivências, obtida de forma indutiva, evidenciam-se 4 dimensões experienciais: Relacionando-se com pessoal hospitalar; Mantendo relação com amigos; Valorizando apoio familiar e Valorizando relação com outras pessoas. Nas relações cuidativas enfermeiro-adolescente, este valoriza: proximidade, envolvimento do enfermeiro no cuidado prestado, apoio, boa disposição; disponibilidade para dialogar; e o encorajamento para enfrentar e superar a doença.
Os enfermeiros devem encorajar os adolescentes a partilhar emoções e expetativas, com vista a integrar, progressivamente e pró-ativamente, a doença, não descurando especificidades individuais nas vivências.
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1. Introdução e fundamentação
Os adolescentes são considerados uma das populações mais saudáveis, sendo os tumores malignos juvenis apresentados como a segunda causa de morbilidade e mortalidade nesta população, destacando-se com maior prevalência: leucemias, tumores do sistema nervoso central e linfomas ([1]; [2]).
Os adolescentes com cancro enfrentam problemas complexos e manifestam necessidades especiais. Encontram-se numa fase crítica do desenvolvimento, onde a doença é uma condição inesperada e contraditória, agravada pelo sentimento de vulnerabilidade que lhes é característico. Estes doentes têm já capacidade cognitiva para compreender a gravidade de um diagnóstico de cancro e para antecipar a ameaça subjacente, sem, no entanto, disporem de referenciais de autoeficácia satisfatórios, tendo em conta a sua inexperiência e a habitual descrença nos recursos de suporte social (pais, profissionais) ([3]; [4]).
O período entre a notícia de diagnóstico e o início de tratamento constituirá um período crítico para o adolescente e sua família, a que corresponderá uma experiência existencial difícil, marcada por elevado sofrimento emocional, determinante na modulação das estratégias de coping e na tomada de decisões posteriores ([4]).
Pode-se constatar que apesar de já existir alguma investigação exploratória incidente na vertente da identificação das implicações da patologia oncológica para o adolescente, ainda são escassos os conhecimentos no que respeita às vivências do adolescente perante a notícia de diagnóstico e aos aspetos relacionais daí decorrentes. Esse défice de conhecimento não favorece a política preconizada de diferenciação dos cuidados de saúde aos adolescentes (Direção Geral de Saúde, 2018). Assim, a presente investigação orientou-se para a compreensão das vivências relacionais significativas, dos adolescentes com doença hemato-oncológica, associadas ao cuidar, na fase diagnóstica, seguindo uma opção metodológica de tipo qualitativo, de cariz fenomenológico interpretativo.
Segundo a Organização Mundial de Saúde ([5]), a adolescência (do latim, adolescere, que significa crescer) compreende a faixa etária entre os 10 e os 19 anos. Caracteriza-se por ser um período de mudanças biológicas, cognitivas, psicológicas e sociais. Os adolescentes, ainda desprovidos da necessária experiência de vida, dispõem de uma frágil preparação para enfrentar as doenças, as perdas e os lutos, acabando, assim, por criar barreiras à integração situacional, para se protegerem do sofrimento associado. Cognitivamente, os adolescentes podem compreender a morte, nas suas diversas dimensões; contudo, emocionalmente, não consideram a própria morte como possibilidade próxima, uma vez que estão no auge da vida, voltados para a construção do mundo, não possuindo, portanto, muito espaço para pensarem nessas questões ([6]).
Os dados estatísticos portugueses evidenciam que todos os anos há cerca de 350 novos casos de cancro entre os 0 e os 19 anos (exclusive), verificando um predomínio dos tumores hemato-oncológicos: linfomas e leucemias, como tumores de maior incidência na faixa etária dos 15-19 anos. E, apesar da taxa de sobrevivência ser de cerca de 75%, o cancro é a primeira causa de morte não acidental na população infantojuvenil ([1]; [7]; [5]).
2. Metodologia
Questões de Investigação/Hipóteses: Face à problemática apresentada, a investigação orientou-se pela consecução do seguinte objetivo: Compreender as vivências relacionais significativas, dos adolescentes com doença hemato-oncológica, associadas ao cuidar, na fase diagnóstica, pretendendo dar resposta empírica à seguinte questão de investigação: que aspetos relacionais são experienciados por estes adolescentes como significativos, do ponto de vista cuidativo?
Metodologia: Tendo em conta o foco de estudo em análise, a opção metodológica incidiu numa investigação empírica de tipo qualitativo, de cariz fenomenológico interpretativo. Justifica-se a lógica interpretativa no sentido em que se procura desvelar os significados atribuídos às experiências vividas, indo, portanto, para além da descrição das estruturas fundamentais das experiências. Trata-se de uma abordagem metodológica que, focando a compreensão abrangente e profunda do fenómeno, coloca em relevo a essência das experiências significativas para os adolescentes, enquanto seres no mundo, e para a enfermagem, no sentido de uma melhor compreensão e capacidade empática com os que o vivenciam.
Com o método fenomenológico aplicado, procura-se a descrição da estrutura essencial da experiência em análise, sendo que todos passos do processo metodológico se organizaram no sentido de descortinarem os significados que os adolescentes lhe associam.
O primeiro passo do método (epoché) exige que se leia a descrição na íntegra, de modo a que se possa obter um sentido de totalidade, que ajudará a discriminar as partes que serão estabelecidas no segundo passo (redução fenomenológica). Estabelecer o sentido geral poderá, igualmente, auxiliar o investigador no terceiro passo (análise eidética), no qual se pretende realizar a descrição dos significados psicológicos, bem como tornar explícito o que, por vezes, se mantém em recesso. Esta operação é realizada com informações contidas na totalidade dos testemunhos, não apenas com os dados que estão nas unidades tidas individualmente ([8]).
A amostra foi constituída por um grupo de nove adolescentes (???) com patologia hemato-oncológica, em tratamento numa unidade Oncologia Pediátrica da região centro de Portugal, selecionados utilizando o método de amostragem propositiva (purposive sample), no sentido de ser representativa do fenómeno, com critérios de intencionalidade e de modo a obter testemunhos ricos. Foram entrevistados adolescentes que demostraram capacidade e vontade de relatar a sua experiência, que preenchiam os critérios de inclusão previamente estabelecidos para a participação neste estudo: adolescentes com doença hemato-oncológica que apresentam estado clínico e anímico favorável, de ambos os géneros e com idades compreendidas entre os 14 e os 18 anos inclusive; com um período mínimo de 24 horas entre o diagnóstico e o início do tratamento oncológico; em fase de tratamento, mas com um mínimo de um mês de tratamento. A amostragem prosseguiu até se ter atingido a saturação das informações.
Na operacionalização desta investigação, foi utilizado o inquérito através de entrevistas individuais, pouco estruturadas e em profundidade, usando um guião elaborado para o efeito com questões convite ao testemunho sobre o tema. As entrevistas (com uma duração variável entre os 20 minutos e os 40 minutos, decorreram de outubro a dezembro de 2013) e foram gravadas pela investigadora em suporte áudio, depois de solicitado e obtido o consentimento informado escrito do entrevistado, bem como o dos respetivos responsáveis legais, sendo previamente sido explicado o objetivo da investigação.
Foram seguidos, durante todo o processo de investigação, os devidos procedimentos éticos, tais como, explicar aos participantes a garantia do anonimato, os fins académicos, a possibilidade de consulta (cópia do ficheiro áudio da sua entrevista e a transcrição do verbatim); informados antecipadamente da importância da sua colaboração e da autorização prévia do Diretor de Serviço responsável pelo acompanhamento clínico dos entrevistados. Foram respeitados os princípios éticos fundamentais a considerar em investigação com seres humanos (Princípios de Helsínquia), no que respeita a autodeterminação, intimidade, anonimato e confidencialidade, tratamento justo e equitativo, isenção de exploração e consentimento informado ([9];[6]). Antes de se iniciarem as entrevistas, o projeto foi submetido à Comissão de Ética da UICISA:E da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, tendo obtido parecer favorável (Parecer n.º P144-03/2013).
Em nenhuma das entrevistas os adolescentes requereram a presença dos pais, embora estivessem informados dessa possibilidade. Não ocorreu qualquer tipo de manifestação relativa ao desencadear de eventuais emoções ou comportamentos de desconforto, nem nenhuma eventual revivência de experiências negativas que exigisse pausa na entrevista, ou a sua interrupção, como estava previsto.
Para a análise dos dados, assumiu-se um procedimento analítico indutivo, com o método processual de Giorgi, e recorrendo ao programa informático de análise qualitativa QSR-NVIVO Versão 7. Procurou-se uma interpretação fenomenológica compreensível e relevante para a enfermagem.
A primeira etapa metodológica, relativa ao sentido do todo, implicou a transcrição das entrevistas e posteriormente a leitura e releitura das transcrições, várias vezes, com o objetivo de apreender o sentido do todo, buscando insith da experiência vivida pelos adolescentes na situação em estudo. Mais do que identificação já de unidades significativas, estas leituras tinham, ainda, como finalidade a impregnação, pela linguagem dos adolescentes, do sentido geral das suas vivências em situação ([8]; [10]). Numa segunda etapa, foi efetuada a discriminação de unidades significativas focadas no fenómeno em estudo. Para esta descriminação, procurámos tanto quanto possível adquirir uma interpretação ingénua, isto é, pondo entre parêntesis todo o conhecimento prévio acerca do fenómeno em estudo. Do ponto de vista operacional, esta etapa correspondeu ao fracionamento dos testemunhos, destacando as unidades significativas. As unidades significativas correspondem a mudanças de significado no verbantim dos adolescentes acerca do fenómeno em estudo, reconhecidas tendo em conta não só a descrição textual, mas considerando em simultâneo o seu contexto, permitindo assim um primeiro nível interpretativo (elaboração de códigos). Ao usar o programa informático, a cada unidade de significação fizemos corresponder um código (primeiro nível interpretativo), a que agregámos todas as unidades com identidade de significado, criando códigos diferentes para unidades com significados diferentes.
Para facilitar o processo de interpretação, a linguagem coloquial de cada unidade dos testemunhos foi transformada, como recomenda Giorgi, na linguagem do analista, com sentido no contexto da sua área científica, neste caso, a Enfermagem. Este exercício tornou-se fundamental para a organização das ideias, muitas vezes expressas ao longo das entrevistas de forma aleatória, permitindo, assim, que os investigadores compreendessem o que foi dito pelos adolescentes entrevistados. A etapa seguinte correspondeu à organização das unidades de significação (códigos) em unidades temáticas (temas) e, finalmente, na organização desses temas numa estrutura essencial compreensiva. A estrutura considera-se essencial porque reúne as componentes fundamentais (mais relatadas) da experiência, e compreensiva, porque permite uma leitura de síntese, captando na sua abrangência a natureza das vivências em estudo.
3. Resultados e discussão
Resultados: Da estrutura essencial das vivências relacionais associadas ao cuidar, dos adolescentes com doença hemato-oncológica, na fase diagnóstica, evidencia-se uma organização com quatro dimensões experienciais invariantes nesta fase:
• Relacionando-se com o pessoal hospitalar; • Mantendo a relação com os amigos; • Valorizando o apoio da família; • Valorizando a relação com outras pessoas
A cada um destes temas gerais correspondem diversas vivências emergentes da análise qualitativa dos testemunhos.
Da análise efetuada, as vivências advêm da interação dos adolescentes com diversas pessoas com quem eles se relacionam nos diferentes contextos: hospitalar, familiar (próximo e alargado), grupo de pares (amigos) e social (em geral).
3.1. Relacionando-se com o pessoal hospitalar
A relação cuidativa com os profissionais de saúde (de um modo genérico) surge como fundamental no contexto das experiências do diagnóstico oncológico, significativas para os adolescentes. Algumas das componentes positivas desta vivência relacional, identificadas pelos adolescentes, são:
- Confiança nos profissionais de saúde: “Se for o meu médico a dizer-me isso [vais ficar bem] acredito! No hospital é que estão as pessoas que sabem lidar com o que eu tenho!”; “Vocês são os profissionais, vocês é que sabem… façam à vontade!”.
- Apoio emocional (reconhecendo uma postura de ajuda, cuidado, contacto permanente e alegria e sentindo a atenção, o apoio, o conforto e o encorajamento, sem discriminação ou pena): “Há pessoas a puxarem-nos para cima. Não há o coitadinho! Não há que ter pena! É querer cuidar e ajudar-nos! Aqui dão um certo conforto!”; “Espetaculares a apoiarem-nos! Tentavam dizer que isto ia passar! Na Oncologia, toda a gente contribuiu para eu pensar assim [positivo]!”; “Foram muito atenciosos, tentam dar apoio e estar sempre ao nosso lado, para nós nos sentirmos bem, apercebem-se que é doloroso”.
- Disponibilidade dos profissionais de saúde para falar sobre a situação de doença: “Não têm que estar aqui 1 hora a falar connosco, mas falam o que é preciso!”; “Eles falavam comigo”; “Aqui as pessoas sempre foram muitas solícitas e se eu tivesse alguma dúvida, alguma questão... as pessoas à minha volta acho que estiveram bem!”.
- Perceção de que os profissionais respeitam o tempo de que os adolescentes necessitam: E8 “Ajuda bastante as pessoas não me pressionarem, respeitarem que não queria falar sobre o assunto e não me bombardearem. Sim, acho que isso foi positivo. Mas também quem está desse lado não sabe disso à primeira vista, por isso é mais fácil dar um bocado de tempo e, a partir daí, avaliando a personalidade da pessoa e vendo se é bom dizer tudo ou se não! Aprender a lidar diferente de paciente para paciente!”.
A vivência relacional com os profissionais de saúde tende ir para além do comum e superficial, levando inclusive um dos adolescentes entrevistados a antever a eventualidade da criação de laços de amizade: “Posso ficar amiga de alguém enfermeiro ou de um doutor”.
Na sequência da notícia de diagnóstico, os adolescentes, relativamente aos enfermeiros, percecionam relações cuidativas de proximidade e de envolvimento e valorizam atitudes de apoio e boa disposição.
Sentindo o suporte social prestado pelos enfermeiros, os adolescentes experienciam a amizade estabelecida, o encorajamento e a motivação em ambiente de alegria: “São todos muito bons! Dão-se bem com as pessoas, nunca estão mal dispostos! Os enfermeiros estão sempre a alegrar”; “Não são pessoas desligadas e isso ajuda. Do que me ajudou mais foram os enfermeiros! Esperava exatamente o que fizeram, o apoio que me deram. Até excederam as expetativas! Nunca apanhei um que dissesse que não gostava!”; “Todos [os enfermeiros] são espetaculares, sorridentes como sempre são!”.
Os adolescentes valorizam ainda a disponibilidade dos enfermeiros para dialogar, sendo as primeiras pessoas com quem partilham, por exemplo, o seu autoquestionamento acerca da situação: “Eles falavam comigo”; “sempre foram muitas solícitas e se eu tivesse alguma dúvida, alguma questão”.
Vivenciando o acolhimento no serviço de oncologia, os adolescentes veem os enfermeiros como sendo os profissionais que os recebem num ambiente, até aí totalmente desconhecido para eles, e lhes apresentam o espaço, os informam dos seus direitos, deveres e rotinas institucionais, bem como os apresentam às restantes crianças, adolescentes, pais e aos outros profissionais de saúde com os quais vai conviver a partir daí: “Conheci a enfermeira, foi quem me apresentou o serviço e aos enfermeiros. Levou-me até ao quarto, disse se eu precisasse de alguma coisa para pedir aos enfermeiros ou às auxiliares”; “A enfermeira C. disse-me que, claro, na altura parecia tudo horrível, mas que com o tempo eu ia perceber que não era assim tão mau. E de facto é verdade!”.
Embora com uma continuidade de contacto temporalmente inferior à dos enfermeiros, os médicos surgem igualmente como elementos significativos para os adolescentes nesta fase.
A vivência da comunicação com expressões frontais e diretas ocorre quando esta é efetuada por Oncologistas Pediátricos. Os adolescentes valorizam a sua frontalidade [dos médicos] ao comunicar o diagnóstico e ao expor a situação real e futura: “Eu gosto que me digam as coisas, não gosto que me escondam. Gosto que me digam tal e qual como é, bom ou mau, gosto de saber como é que é e o doutor fez isso!”; “Gosto da doutora S., porque é muito frontal! Diz isto é assim e é assim mesmo! Eu gosto disso, é preferível do que andar cá com: ‘Tem calma!’ É preferível dizer: ‘Olha, isto é assim! Gostas, gostas; se não gostas, temos pena, pois é assim que as coisas são!’“.
Nalguns casos, a notícia pode ser diferida para os pais. No único testemunho em que foi a mãe a dar a notícia ao adolescente, este refere ter sentido como negativo o fato de mãe e os médicos terem falado inicialmente à parte dele, solicitando que o envolvam a partir daí em tudo o que lhe diga respeito: “O doutor ao início chamavam a minha mãe à parte para falar. Com o passar do tempo eu disse que queria estar a par de tudo, seja mau, seja bom! A partir daí, uma coisa que eu gostei muito foi que eles nunca mais chamaram para ir falar a sós, punham-me sempre por dentro”.
Numa fase pós-diagnóstica, as vivências relacionais dos adolescentes com os médicos oncologistas passam pela valorização da continuidade relacional, anteriormente estabelecida, e por sentimentos de confiança (com reservas, por vezes): “Depois deixei de ter medo, porque confiei nos médicos". Um dos adolescentes entrevistados releva ainda sentimentos de gratidão pelo papel do médico, de carinho mesmo: “Eu só posso agradecer até hoje tudo o que ele fez! Eu gosto muito dele”.
3.2. Mantendo a relação com os amigos
O relacionamento com os melhores amigos é significativo e nalgumas situações os adolescentes valorizam-nos com confidentes, comunicando-lhes frontalmente o diagnóstico oncológico, mesmo que, no momento, ainda hipotético: “A minha melhor amiga veio ter comigo: ‘Então que se passa?’ E eu disse: ‘A., eu tenho um cancro!’; “Contei a alguns amigos mais próximos”.
Os adolescentes percebem desconhecimento por parte dos amigos relativamente à doença oncológica e sentem que estes ficam perturbados com o seu diagnóstico. Sentem que os amigos desconhecem o seu diagnóstico, interpelando-os sobre o que é a doença e expondo-os aos juízos e sentimentos negativos acerca da doença (porquê de estar na escola, de ainda ter cabelo ou de aparentemente estar bem?): “Custou mesmo, no início, foi quando os meus colegas perguntavam o que eu tinha. Foi aí que custava um bocadinho a dizer!”; “Eles [os amigos], na altura, não também não sabiam muito bem. Assustaram-se um bocado! Não sabiam bem como é que isto ia correr, como é que ia ser, como é que eu ia lidar com as coisas. Depois, quando podíamos, íamos falando [por telemóvel e vídeo chamada, via internet] e eu ia explicando”; “A minha amiga já sabia! Começou a chorar, porque para ela foi um choque!”.
Sentindo o apoio dos amigos, os adolescentes percebem uma atitude de ajuda, suporte (incluindo dos namorados), disponibilidade, preocupação com o seu estado de saúde e recuperação e a tentativa de contato constante. Temem que o tratamento da sua doença implique hipoteticamente o afastamento dos seus amigos/colegas: “Tudo o que eu necessitasse, eles [os amigos] iam-nos ajudar. Iam-me ajudar! Preocupam-se comigo. Tentam manter contato comigo, perguntar se estou bem!”; “As cartas dos amigos que me mandavam a dar força. Ao início, pensei que me fosse afastar dos meus amigos, mas reparo que não! Cada vez estamos é mais juntos! Tentam animar-me, fazer-me contente e eu estou sempre contente com eles. Muita gente interessou-se! Houve muitos que perguntaram”.
Os adolescentes valorizam a distração e a não discriminação ou tratamento diferenciado: “Uma pessoa quer é sair, quer ir com quem está bem, divertir-se e esquecer isto o mais possível”.
3.3. Valorizando o apoio da família
Relativamente à família, os adolescentes valorizam a presença, o acompanhamento e o apoio. O afastamento presencial, na sequência do internamento hospitalar, é sentido como negativo: “Pensei logo que a minha família me ia apoiar!”; “No primeiro dia que eu fiquei lá, o telemóvel não parava. Era a família de Lamego, era daqui, era o tio desconhecido de não sei onde”.
Uma das adolescentes manifestou a valorização do apoio da irmã como elemento relacional cuidativo fundamental, ajudando-a a lidar com o seu diagnóstico: “Quem me ajudou mais foi mesmo a minha [meia] irmã, que é da minha idade… Apesar dela não estar cá, nós falamos diariamente [por telemóvel e internet] e ela vem cá de 15 em 15 dias. Foi das pessoas que me ajudaram mesmo muito!”.
Uma das componentes relacionais complexas vivenciada no pós-diagnóstico refere-se à perceção da hiperpreocupação que aquela notícia desencadeia nos pais, levando um dos adolescentes entrevistados a reconhecer a superproteção familiar como negativa: “Considero que me marcou pela negativa a parte da minha família…, aquele momento em que se excede a superproteção!”.
3.4. Valorizando a relação com outras pessoas
Os adolescentes experienciam sentimentos de dificuldade na gestão adequada das manifestações (por exemplo, o seu choro) e opiniões (acerca da sua evolução) das pessoas que os rodeiam. Contudo, parecem sobressair as vivências de valorização positiva da preocupação demonstrada pelas outras pessoas, para com eles, com o seu bem-estar e recuperação: “O que me fazia ficar feliz era ter o apoio de pessoas de fora, sempre a apoiarem-me, sempre a dizerem-me para eu ter força! O problema está em nós! Nós temos que superar isso! As pessoas de fora, pronto…, muita gente contribuiu, mas nenhuma pode fazer nada! As pessoas positivas tentam dar apoio e nós agradecemos porque é uma maneira de nos sentirmos melhor e ficarmos mais contentes com a vida!”; “Todos os dias era alguém a perguntar se estava melhor. Eu apreciava que as pessoas se preocupassem. Mas essa valorização positiva não inclui atitudes mais lamechas ou superficiais: “Havia muitas pessoas que mostravam-se fortes ao pé de mim, mas choravam por detrás… Eu percebo perfeitamente! Estava farta que as pessoas dissessem: ’Vais ficar bem!’ Não és ninguém para me dizeres que vou ficar bem! “Tu és nova! Tu és forte!’, ‘Pois eu sou nova, mas não é você que está aqui nesta situação, por isso faça-me o favor de se calar!’ Oh, eu apreciava que as pessoas se preocupassem, mas, por uma outro lado, preferia que não me falassem!”.
Discussão: As vivências relacionais cuidativas significativas associadas à situação de diagnóstico oncológico dos adolescentes surgem na interação destes com as diversas pessoas com quem contracenam. Esta experiência relacional acontece em contexto hospitalar, familiar (próximo e alargado), grupo de pares (amigos) e social (em geral). A este propósito, [9]) refere que, para além do desenvolvimento cognitivo, emocional e social, existem, ainda, outras determinantes que podem mediar a vivência de uma doença oncológica (cultura, suporte parental, familiar e social, bem como rede de cuidados de saúde).
Os adolescentes sentem que a relação cuidativa com os profissionais de saúde (pessoal hospitalar de um modo genérico) se releva em sentimentos de confiança, de apoio emocional e de disponibilidade para dialogar, e na perceção de respeito pelo tempo que os adolescentes necessitam para encararem a vivência da doença de uma forma mais pró-ativa. Da experiência relacional com os profissionais da equipa, os adolescentes valorizam mais as competências relacionais dos mesmos e menos as aptidões técnicas. [11]) refere, a este prepósito, que os adolescentes com cancro, a experienciar internamento hospitalar, valorizam positivamente atitudes de abertura, sensibilidade e flexibilidade para lidar com os seus comportamentos e preocupações, por parte dos seus cuidadores.
Os enfermeiros correspondem aos profissionais de saúde que passam mais tempo junto dos adolescentes; e como são aqueles que habitualmente os recebem no serviço, estão particularmente associados à vivência do acolhimento no serviço de oncologia. Relativamente ao relacionamento com os enfermeiros, os adolescentes valorizam relações cuidativas de proximidade e de envolvimento, assim como as atitudes de apoio e boa disposição. Quanto ao relacionamento dos enfermeiros com os adolescentes no pós-diagnóstico, estes valorizam as atitudes de calma, honestidade, simpatia, gentileza, presença, sentido de humor e comunicação (interessada, sem juízos de valor). A valorização da disponibilidade para dialogar dos enfermeiros também foi referida como relevante pelos entrevistados. Estes dados são reveladores de uma prática de cuidados de enfermagem pautada pelos princípios emanados para a profissão nas seguintes abordagens: satisfação do cliente, funções do enfermeiro de cuidados gerais, orientações de boas práticas de pais e crianças com doença crónica e orientações de boas práticas de adolescentes ([12]). Revelam ainda a existência de uma equipa de profissionais de saúde providos de capacidade e competências técnicas de informação esclarecedora e relacionais de suporte emocional, como sugerido por [13]). As vivências relacionais entre os adolescentes e os enfermeiros são de tal forma significativas que [11]) sublinha que influenciam fortemente a experiência de hospitalização, positiva ou negativamente, pois, para além do conhecimento científico que fundamenta a sua prática, a enfermagem cuida no sentido de promover a adaptação do indivíduo às vivências do diagnóstico. Há que enfatizar que a comunicação de más notícias exige treino por parte dos profissionais que a realiza, para maximizar os benefícios na melhoria do ajuste psicossocial, tomada de decisão, adesão ao tratamento e satisfação com os cuidados prestados ([14]).
Contrariamente ao afastamento antecipado inicialmente pelos adolescentes relativamente ao seu grupo de pares, os testemunhos não só revelam experiências de continuidade relacional, como valorizam o apoio dos amigos e a possibilidade de uma proximidade (usando meios de comunicação alternativos como a internet e o contacto telefónico) positiva.
Embora alguns adolescentes se deem conta do desconhecimento dos seus amigos relativamente à doença oncológica e sintam que estes ficam perturbados com o seu diagnóstico, as experiências de valorização relacional sobrepõem-se. Os dados vão reforçar a importância das vivências de reorganização dos relacionamentos de apoio dos adolescentes, como identificadas por [10]). Segundo estes autores, será de esperar discrepâncias no que se refere a eventuais experiências de rompimento das relações interpessoais quotidianas, contudo este tipo de rotura não emergiu em nenhum dos testemunhos. Assim, os dados contrariam as vivências de afastamento e separação inevitável dos adolescentes em relação aos amigos, no pós-diagnóstico oncológico, apontadas por [15]) como comuns.
Os adolescentes, mesmo no pós-diagnóstico, experienciam continuidade de sentimentos de pertença ao grupo de amigos, onde se sentem socialmente contextualizados. No seio deste grupo, sentem compreensão e respeito, valorizando a não discriminação ou o tratamento diferenciado. No relacionamento com estes grupos de pessoas saudáveis, valorizam ainda, especialmente, os momentos de entretenimento. Esta valorização pelos adolescentes das atividades de lazer entre amigos é identificada por [11]), referindo-a como uma forma de ultrapassar os momentos menos bons associados à vivência da doença oncológica.
Relativamente à família (pais e irmãos), os adolescentes valorizam a sua presença, acompanhamento e apoio. O afastamento presencial, na sequência do internamento hospitalar, é sentido como negativo. Dados semelhantes são apresentados por [11]), ao identificar as pessoas significativas, com predomínio dos pais, como fundamentais para os adolescentes ultrapassarem vivências menos boas. Contudo, os dados são díspares no que se refere à ordem de significação que os adolescentes atribuem às vivências relacionais cuidativas familiares, neste momento crítico das suas vidas. Relativamente às vivências relacionais significativas, emerge dos testemunhos um ordenamento em que os pais não se revelam como sendo os mais significativos, passando pelos profissionais de saúde, pelos os amigos e só depois pela família mais extensa, o que é discordante com o referido por Azevedo (2010), que sugere a família distintamente destacada como elemento social relevante. Os adolescentes valorizam o equilíbrio no relacionamento familiar, por um lado, valorizando a importância insubstituível do seu apoio, por outro, exprimindo, alguns, o incómodo com a superproteção habitual após a notícia de diagnóstico. Embora as experiências negativas relativamente à superproteção dos pais não tenham surgido como essenciais, devem ser realçadas pela sua singularidade e exploradas em futuros trabalhos de investigação. Os autores, embora se refiram às vivências relacionais familiares estruturalmente organizadas como importantes para um ambiente compatível com as necessidades dos adolescentes ([4]), não valorizam tanto assim esse equilíbrio relacional familiar como condição primordial. Nas vivências relacionais familiares, estes autores valorizam o conforto, o suporte emocional, o esclarecimento de dúvidas, o encorajamento e o incentivo, mas a depreciação da superproteção parental não é assinalado.
Percebendo que as outras pessoas se preocupam com o seu bem-estar e recuperação, os adolescentes enfatizam as vivências relacionais de um modo geral como positivas.
4. Conclusões
Com base nestes dados, é considerado como relevante, para benefício do adolescente, a primazia de um cuidado relacional sensível, interativo e ponderado, multiprofissional, e complementar da atenção dos familiares, dos amigos e de outras pessoas significativas do seu meio.
No contexto dos serviços de saúde, pressupõe um trabalho conjunto, incluindo todos os profissionais da equipa de saúde, e não restrito naturalmente à área da Enfermagem.
Sobre as relações cuidativas entre os enfermeiros e os adolescentes, estes valorizam a proximidade, o envolvimento no cuidado prestado, as atitudes de apoio, a boa disposição e a disponibilidade para dialogar. Os adolescentes valorizam o suporte social, experienciam a amizade estabelecida, o encorajamento e a motivação em ambiente de alegria. Estas experiências relacionais surgem como facilitadoras da expressão das emoções e sentimentos negativos vivenciadas no pós-diagnóstico e do desenvolvimento de mecanismos necessários à adaptação à situação de doença.
As atitudes cuidativas dos enfermeiros de encorajamento e de superação da doença oncológica são apercebidas pelos adolescentes como significativas, e passam, por exemplo, pela implementação de cuidados de promoção e reforço da resiliência, enquanto medidas protetoras que favorecem a vivência de enfrentamento do diagnóstico e, consequentemente, da própria doença, em práticas futuras. Evidentemente, não se podem descuidar as especificidades individuais nas vivências do diagnóstico, como as reveladas pelas particularidades de cada relato, sendo fundamental que os enfermeiros procedam, sempre, a uma avaliação cuidadosa das necessidades, planeamento e intervenção individualizada.
Os adolescentes valorizam a pertença a grupos de adolescentes com experiências similares, o intercâmbio de ideias e o estabelecimento de relacionamentos de ajuda, o que deve ser tido em conta na prática clínica e na criação de projetos de intervenção em enfermagem junto de adolescentes que estejam a vivenciar o diagnóstico oncológico Uma sugestão possível para a prática de enfermagem, a título de exemplo, seria especificamente a criação de um ambiente promotor de atividades lúdicas e recreativas grupais para os adolescentes que facilite a vivência diagnóstica de forma gradual e adaptada.
A valorização das relações cuidativas entre os adolescentes, no pós-diagnóstico, e os profissionais deve ter implicações na criação de orientações formativas dos elementos da equipa da saúde. Sugere-se a criação de orientações formativas para os novos elementos que integrem a equipa, com vista a enfatizar as atitudes relacionais espectáveis e desejáveis da sua parte. Não descurando as especificidades individuais nas vivências do diagnóstico (reveladas pelas particularidades de cada relato) é fundamental que os enfermeiros procedam, sempre, a uma avaliação cuidadosa de necessidades, planeamento e intervenção individualizada. Baseando-nos nos dados da investigação, as atitudes relacionais devem centrar-se, assim, em manifestações de atenção, presença, disponibilidade, escuta ativa, comunicação terapêutica, respeito, confiança e sentido de humor.
Referências
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